Política

Pesquisa indica mulheres jovens mais progressistas que homens

Pesquisa indica mulheres jovens mais progressistas que homens


AGÊNCIA BRASIL

As mulheres jovens brasileiras são mais progressistas que os homens, que declararam posicionamentos mais conservadores à pesquisa Juventudes: Um Desafio Pendente, divulgada nesta quarta-feira (5) pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung no Brasil (FES Brasil).

A pesquisa inédita entrevistou 2.024 jovens, na faixa etária de 15 a 35 anos, utilizando metodologia de amostragem online com painéis web.

Apesar da divergência, o estudo aponta que jovens dos dois gêneros convergem sobre a necessidade de políticas públicas e a redução das desigualdades no país. Dentre as mulheres, 65% destacaram a importância de políticas de saúde, educação e combate à pobreza.

A tendência de maior conservadorismo entre os homens aparece em outras pesquisas que colhem percepções políticas, disse à Agência Brasil o diretor de Projetos da FES Brasil, Willian Habermann.

“A gente observa isto na grande maioria dos 14 países em que fez a pesquisa. No caso do Brasil, isso aparece em relação ao posicionamento sobre o aborto, ao posicionamento político e, também, em relação aos problemas sociopolíticos do Brasil. As moças tendem a colocar problemas relativos à pobreza, de acesso a direitos e a emprego com mais força que os rapazes”.

Posição política

No caso do Brasil, um ponto destacado pela fundação responsável pela pesquisa é que a dos entrevistados que se posiciona à direita (38%), enquanto 44% declaram ser de centro, e 18%, de esquerda. As mulheres se posicionaram mais à esquerda (20%), quatro pontos percentuais a mais do que os homens (16%).

Entretanto, quando se examina os dados sobre questões de valores, papel do Estado e a percepção sobre democracia, esse percentuais podem ser questionados, analisa o diretor de projetos da fundação.

“Tem um posicionamento mais à direita, mas a visão desses jovens não é necessariamente conservadora, nem defende todo o manual de extrema direita. Eu diria que a pesquisa consegue fazer a gente tensionar um pouco esse lugar do jovem na política, ou como ele enxerga a política”, disse Habermann

“Ainda que um pouco avesso à política, esse jovem está acompanhando e entende o papel do Estado como importante, e a necessidade de políticas de educação, emprego, segurança pública”.

Para Habermann, o percentual de 44% mais ao centro representa uma juventude que se percebe cansada com o tema da política e não representada, ou com falta de conhecimento político.

“Ao mesmo tempo, a gente consegue questionar esse posicionamento mais à direita ou à esquerda com os valores que a juventude coloca”.

Ele exemplifica que predominam as posições progressistas quanto à igualdade e direitos: 66% apoiam a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero, 58% aceitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo e 59% concordam que pessoas transgênero devem ter acesso a cuidados de saúde relacionados à afirmação de gênero.

Já em relação ao aborto, prevalece a posição mais conservadora: somente 33% dos jovens apoiam a legalização do aborto, enquanto 51% se declaram contrários, e 16% não souberam responder. “Há uma narrativa contrária ao aborto em toda a América Latina”, observa Habermann.

“No que tange a valores, em especial aqueles relacionados a valores de gênero e ao papel do Estado, eles demonstram que a juventude, sim, talvez esteja entre o centro e a direita, mas que ela reconhece o papel do Estado, que tem valores fundamentais para a sociedade brasileira”. 

Crise de confiança

A maioria da juventude (66%) considera a democracia a melhor forma de governo, embora 49% acreditem que uma democracia pode funcionar sem partidos, sinalizando tensões entre valores democráticos e autoritários.

Já 58% dos entrevistados manifestaram preferir um líder forte, que resolve melhor os problemas, do que os partidos ou as instituições. Em contrapartida, somente 29% disseram preferir um governo autoritário. Para Habermann, o fato de esses jovens não reconhecerem os partidos dentro da democratização é um problema.

“Quando a gente vai na parte de confiança nas instituições, os partidos políticos são instituições menos confiadas pelos jovens”, avaliou o pesquisador, apontando que há um desafio em fazer o jovem se sentir representado. “Esse é um limite que os partidos políticos precisam romper, e um tema que precisa ser observado”.

O levantamento sinaliza a existência de uma crise de confiança nas instituições políticas tradicionais, na medida em que 57% não confiam nos partidos, 45% desconfiam da Presidência, e 42%, do Legislativo. Em contrapartida, universidades, igrejas e meios de comunicação aparecem como instituições mais confiáveis.

A questão da raça é um fator determinante: jovens negros expressam maior desconfiança na polícia e no sistema judiciário, refletindo a desigualdade racial histórica e o impacto da violência institucional.

Temas sociais e satisfação pessoal

A pesquisa aponta a importância de temas sociais e direitos para os entrevistados:

  • 86% defendem a prioridade de oferta de educação e saúde pelo Estado;
  • 85% destacam a proteção ao meio ambiente;
  • 75% defendem o direito da autonomia dos povos indígenas e as comunidades étnicas sobre seus territórios;
  • 71% defendem a questão da regulamentação das plataformas digitais; 
  • 60% acreditam que deve haver um imposto adicional para os ricos, a fim de redistribuir a riqueza.

Os jovens brasileiros exteriorizam níveis elevados de satisfação pessoal: 68% estão satisfeitos com a sua vida em geral, e 70% com suas relações familiares.

Ao mesmo tempo, contudo, os jovens entrevistados demonstraram forte insatisfação com a economia (46%) e a situação do país (55%). Esses dados refletem os impactos das desigualdades históricas e das reformas que, após 2016, intensificaram a precarização do trabalho e cortaram direitos sociais, aponta a sondagem. Mesmo assim, 88% dos jovens consultados demonstraram ter expectativas otimistas quanto ao seu futuro nos próximos cinco anos.

Segundo o estudo, apesar de 58% avaliarem positivamente a educação recebida, a promessa de ascensão social por meio da escolaridade e do trabalho digno não se concretiza para muitos, em especial para jovens negros, mulheres e pessoas de classes mais baixas.

Apenas 29% dos jovens pretos e 32% dos pardos disseram ter um trabalho estável, contra 45% de brancos, enquanto 45% dos entrevistados das classes mais baixas estavam desempregados ou em busca de oportunidades.

“Ainda que a gente tenha, nesse momento, uma taxa de desemprego muito baixa, essa é uma grande preocupação dos jovens: a educação, o emprego, e o emprego de qualidade”, destacou Habermann, que apontou que 14% dos jovens tinham trabalhos temporários. “A questão é que tipo de emprego se obtém”.

A pesquisa revela também que, para 61% dos jovens, os problemas que mais preocupam o Brasil são a pobreza, o desemprego e a falta de acesso a direitos, além do consumo de drogas, corrupção e o crime organizado, temas que, para a juventude brasileira, deveriam ser abordados pelas políticas públicas no país.

Para 55% dos jovens, cabe ao Estado garantir políticas de emprego, seguido de políticas sociais (46%) e políticas para a segurança cidadã (27%). “Eles querem políticas de bem-estar social e políticas para segurança cidadã, como proposta do governo federal, de vereadores, de deputados estaduais”.

Redes sociais

A pesquisa mostra que o jovem brasileiro está muito conectado com as redes sociais para acessar informações, bem como meio de mobilização social e política.

As redes sociais são o canal preferido para a busca diária de informações por 60% dos jovens, e 33% recorrem a esses canais algumas vezes na semana, totalizando 93% de engajamento frequente.

Do mesmo modo, 57% citam as redes sociais como o canal predominante para buscar informações, seguidas da televisão (45%), que mantém presença forte e acessibilidade em diversas regiões brasileiras, e apenas 2% em meios tradicionais, como jornais impressos.

Plataformas digitais como YouTube (30%), WhatsApp (25%) e outros sites na internet (24%) também se destacam, demonstrando que a busca por informação está cada vez mais fragmentada e mediada por ferramentas online.

Os resultados obtidos pelos pesquisadores não mostram, entretanto, se os jovens entrevistados conferem a veracidade ou não das informações colhidas nas redes sociais. Willian Habermann destacou que a importância ou a relevância dos influenciadores foi menor do do era esperada.

“Isso ajuda a entender um pouco por onde esses jovens buscam informações. Já que as redes são citadas por 57% dos consultados. A gente pode, talvez, entender que há, sim, uma tendência a receber informações não necessariamente respaldadas, como em um jornalismo de qualidade”.

América Latina

O processo para elaboração da pesquisa Juventudes: Um Desafio Pendente foi iniciado em 2023, nos 14 países da América Latina e Caribe onde a Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES) atua. O grupo de pesquisadores da região conta com a participação da professora Elisa Guaraná, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). 

Segundo Habermann, os resultados apurados ajudam a pensar como se comunicar com esses jovens e o que eles colocam como demanda para o fortalecimento da democracia, direitos sociais, políticas públicas necessárias.

Embora se tenha percebido pequenas diferenças entre as respostas dos jovens dos 14 países, existe a tendência de que a juventude em geral defende a democracia e o papel do Estado como crucial para garantia dos direitos sociais, e o voto como ferramenta para transformar a sua própria realidade. Em termos políticos, há na região tendência de os jovens se posicionarem mais ao centro, depois à direita e, por último, à esquerda.