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Mais da metade dos negros diz não saber como denunciar caso de racismo

Mais da metade dos negros diz não saber como denunciar caso de racismo


AGÊNCIA BRASIL

Pouco mais da metade (52,2%) das pessoas pretas e pardas não sabe quais caminhos seguir para denunciar casos de racismo ou injúria racial. O desconhecimento é acompanhado por outro dado: apenas 47,5% dos pretos e pardos conhecem legislações antidiscriminatórias.

A constatação está em uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira (19), véspera do feriado nacional pelo Dia da Consciência Negra. 

O levantamento revela ainda que apenas 20,3% dos entrevistados acreditam que a denúncia será encaminhada para os devidos fins legais e que providências cabíveis serão tomadas.

A pesquisa ouviu uma amostra de 423 pessoas de todas as regiões do país ─ 310 pretas e 113 pardas ─ por meio de um formulário online de julho a setembro deste ano.

O estudo foi realizado pelos institutos Orire e Sumaúma, organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. O trabalho, que também buscou informações sobre percepção de racismo e injúria racial em meios de transporte, foi apoiado pela Uber.

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De cada dez entrevistados, seis (59,3%) relatam já terem sido vítimas de racismo ou injúria racial ao se deslocar pela cidade. Apesar dessa parcela, 83,9% nunca registraram boletim de ocorrência.

De acordo com o Censo 2022, pretos e pardos formam 55,5% da população brasileira.

“Abismo informacional”

A fundadora do Instituto Orire, Thais Bernardes, considera que o resultado da pesquisa revela um “abismo informacional”.

“Uma estrutura que faz com que o caminho da denúncia seja confuso, seja pouco acessível e, muitas vezes, até desencorajador”, disse à Agência Brasil.

Para ela, o fato de mais da metade dos entrevistados não saber como denunciar, e apenas 1,7% dos que denunciam terem algum retorno, mostra que o problema não é individual.

“É estrutural, um sistema que não se comunica com quem mais precisa dele”, afirma Thais, responsável pelo portal Notícia Preta, dedicado à comunicação antirracista.

A jornalista acrescenta que a desinformação e a falta de resposta institucional fazem parte da lógica “que mantém a impunidade e permite que o racismo siga operando livremente nos espaços públicos”.

“O desconhecimento é também uma forma de violência”, constata.

O levantamento do Orire identificou que 77,1% dos entrevistados afirmam saber a diferença entre racismo e injúria racial. O racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo.

Combate ao racismo

Thais indica que, além de priorizar o aumento do conhecimento sobre formas de lidar com o racismo, são necessárias outras ações para combater a discriminação racial. Para ela é preciso mais informação, políticas públicas, formação das equipes que atendem as vítimas e sistemas que consigam investigar e punir os casos.

“O conhecimento empodera, mas são as ações estruturais que interrompem o ciclo de violência”, diz.

“Se quando a pessoa chega na delegacia é desencorajada, desrespeitada ou até mesmo ridicularizada, então, o sistema de Justiça também precisa ser educado em antirracismo e atendimento humanizado”, cobra.

Guia prático

Além da pesquisa, o projeto Percepções sobre Racismo e os Caminhos para a Justiça preparou um guia com orientações sobre formas de denunciar discriminação racial e conhecimento sobre leis.

As orientações jurídicas do guia foram desenvolvidas pela Black Sisters in Law, uma rede global de advogadas negras.

Uma orientação é a não obrigatoriedade de ter um advogado para registrar uma ocorrência de racismo, injúria racial ou discriminação racial. Outra dica é que o registro pode ser feito de forma presencial ou online em delegacia comum ou especializada.

Há ainda menções à legislação, como a Lei Caó, de 1989, que trata o racismo como crime imprescritível e inafiançável. O nome é referência ao militante e político negro Carlos Alberto Oliveira dos Santos, o Caó.

Outra legislação de destaque é o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010.

Canal de denúncia

Thais Bernardes defende para uma forma de denúncia de agressões racistas ser eficaz, é preciso unir dois elementos: gerar algum tipo de consequência real e “não destruir emocionalmente a pessoa no processo”.

Ela orienta que vítimas procurem delegacias de polícia, instituições como Ministério Público e Defensoria Pública, além de ouvidorias e canais digitais oficiais.

O governo disponibiliza o Disque 100, serviço telefônico gratuito para denúncias de violações de direitos humanos.