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A Justiça da Paraíba apura denúncias de que juízes estariam “maquiando” processos para aumentar as taxas de produtividade, principal critério usado para promoção por merecimento. A Corregedoria-Geral de Justiça do estado está realizando uma inspeção em processos dos candidatos ao cargo de desembargador do TJ (Tribunal de Justiça).
A denúncia foi apresentada pelo desembargador Aluízio Bezerra Filho, durante reunião do Conselho da Magistratura em 19 de março. A apuração começou em 3 de abril, com prazo de 30 dias para recebimento dos dados.
O desembargador cita dois tipos de suspeitas: o arquivamento indevido e o encaminhamento de processos sem voto para a Secretaria do TJ-PB. Em ambos os casos, a ideia seria aumentar as taxas de produtividade artificialmente, simulando julgamentos em prazos curtos.
Ao todo, 13 juízes se candidataram, por merecimento, à vaga deixada pela aposentadoria da desembargadora Maria das Graças Morais Guedes. O edital de escolha foi lançado em 25 de fevereiro.
Entenda as denúncias
O UOL teve acesso ao documento do desembargador, de 24 de março, com a íntegra da denúncia encaminhada ao presidente do TJ-PB, Frederico Coutinho.
Aluízio cita “evidências efetivas” de que “cartórios de juízes de Varas Cíveis e Fazendárias promoveram centenas de arquivamentos de processos sem que tenham chegado os seus términos com a certidão de trânsito em julgado.”
Depois desse “arquivamento definitivo indevido”, esses mesmos juízes desarquivam os processos, que retornam ao trâmite normal. “[Mas] aí já foi contabilizada em favor do acervo a baixa de arquivamento contando para inflar a produtividade do juiz”, diz a denúncia.
Segundo ele, a simulação tem dois objetivos:
- Reduz artificialmente o tempo de tramitação processual;
- Aumenta indevidamente os índices de sentenças e baixas.
Esse estratagema astucioso projeta um ilusionismo de alta performance de produtividade formal, cujos números não contêm substância nem veracidade na sua essência e realidade dos movimentos processuais de arquivamento. Denúncia do desembargador Aluízio Bezerra Filho
Outro tipo de ‘maquiagem’
Além dessa prática, o documento ainda cita que juízes das Turmas Recursais estariam remetendo processos sem voto à Secretaria do TJ-PB, onde permaneceriam armazenados por longo período.
Cuida-se de uma ‘maquiagem’ que ilude a realidade processual do gabinete do juiz e proporciona vantagem indevida na apuração da produtividade para fins de promoção e remoção por merecimento, em detrimento dos juízes de Varas Cíveis, Criminais e Fazendárias. Não há que se alegar que o voto pode ser oral, porque há informações da existência de dezenas de processos em hibernação em desproporção aos que são levados, semanalmente, às sessões de julgamento.
Denúncia
Durante a sessão do conselho em que denunciou o caso, o desembargador citou como exemplo um juiz que encaminhou mais de mil processos sem voto à Secretaria do TJ-BA.
Assim, aparentemente, o juiz está em dia com todo o seu trabalho. Mostra-se que é uma manobra, uma manipulação, para fugir do prazo fixado pelo CNJ [Conselho Nacional de Justiça] de cem dias. Desembargador Aluízio Bezerra Filho
No despacho que abriu a investigação, o corregedor-geral de Justiça, desembargador Leandro dos Santos, diz que os fatos mencionados “são relevantes e precisam ser esclarecidos em nome da lisura do processo de escolha” do novo desembargador. Ele determinou um pente-fino em todos os processos de novembro de 2024 a fevereiro de 2025 e que o caso corra em segredo.
Tais condutas, uma vez confirmadas, revelariam sérias ilegalidades e violações aos deveres funcionais com consequências disciplinares extremamente graves. Despacho da Corregedoria-Geral de Justiça
As “consequências disciplinares” vão de advertência e censura à aposentadoria compulsória —nela, o juiz continua recebendo salário proporcional ao tempo de serviço e ao valor que contribuía para a Previdência.
Por que isso é importante
Segundo a resolução de 2023 do TJ-PB, que estabelece os critérios oficiais para escolha de desembargador por merecimento, quatro itens devem ser analisados:
- Produtividade: 30 pontos
- Presteza: 25 pontos
- Aperfeiçoamento técnico: 25 pontos
- Desempenho: 20 pontos
Ao fim dessas análises, quem tiver a maior pontuação assume a vaga e, consequentemente, passa a receber o maior salário da Corte: R$ 41.845,49 brutos, fora auxílios e benefícios variáveis.
Para avaliar a produtividade, são analisados itens como o acervo e o fluxo de ações e o número de processos concluídos e sentenças. A média mensal de acervo e produtividade é disponibilizado mensalmente pelo CNJ e é sempre acompanhada pelo órgão.
O UOL procurou o TJ-PB para saber como está a apuração e se há alguma previsão para conclusão dos trabalhos, mas não houve retorno.